É possível dizer o Ser das coisas
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É possível dizer o Ser das coisas

O confinamento como oportunidade para se descobrir filosoficamente


Por Cláudia Busato, Filósofa, Psicóloga e Jornalista, Doutora em Semiótica e Comunicação


Em tempos de distanciamento social, é possível falar, ouvir e levar ao mundo algo novo pela via comunicacional? Como uma frase bem construída - estética, lógica e eticamente - pode ampliar o sentido do que se diz? Para Martin Heidegger, há uma tonalização afetiva na apresentação do mundo. Trata-se de um cuidado quanto ao extenso programa de coisas e afazeres com que nos ocupamos no dia a dia e também nos comportamentos que dirigimos (bem ou mal) ao próximo. Mas o Dasein (Ser no mundo), ainda que se faça na ocupação, na solicitude com o outro, tem um sentido mais radical.



Cuidar de modo autêntico, diz o filósofo alemão, é angustiar-se e entrever, na névoa do Ser, quem se pode ser, estando atento a si próprio e à condição de corresponder a essa expectativa. É assim que fazemos escolhas: se respeitamos ou não as diretrizes da Organização Mundial de Saúde para combater a covid-19, como descobrimos novas maneiras de marcar presença na vida das pessoas, que soluções encontramos para as tarefas cotidianas e os relacionamentos, o que elegemos como nosso lugar no mundo apesar das condicionantes históricas.


O Dasein, espécie de metáfora da proximidade, também é a percepção da presença antecipadora de todos os entes (coisas). Tudo o que pensamos, fazemos ou comunicamos é desvelamento de algo no mundo. Alethéia - palavra, luz, memória, verdade - foi o termo arcaico grego recuperado por Heidegger para certificar seu pensamento inovador na filosofia contemporânea. Só desvelamos aquilo que aparece. Ora, o que desvelamos é o eterno reaparecer do ente. Essa peculiar maneira de deixar as coisas acontecerem por si e de aparecerem não é mero acaso, e sim uma técnica de dizer ou falar o Ser das coisas. Mas, nem tudo está revelado; nem pela técnica, nem pela palavra. Cuidar do Ser é abrir-se para o inaudito, é permanecer no vazio silencioso, sem nos retirarmos de nós mesmos (do nosso modo de ser autêntico). É permanecer no aberto.



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