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Depois da Nigredo, a Vermelhidão - Parte I

Cordialidade, porta de saída para a pós-pandemia


Por Cláudia Busato Filósofa, Psicóloga e Jornalista, Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP


Ouvimos, por vezes, dizeres como este: batom vermelho, sedução no ar; ou ainda, que aplicar uma capa rubra ostensiva sobre os lábios já naturalmente vermelhos pode soar berrante, agressivo ou mesmo vulgar. E é assim que vamos conotando as coisas de sentidos e dominamos as paletas de cores, segundo ocasiões e convenções.

Mas, o que uma imagem tão prosaica, repetida gestualmente no dia a dia, nos anúncios e enquadramentos nos filmes, tem a ver com a COVID-19? Afinal, quase todos usam máscaras desde esta conflagração pandêmica, e os rostos antes abertos estão agora cobertos, visam proteção contra os perigos da contaminação. É quase um grau zero das práticas da visualidade e da aparência.

Entretanto, por hipótese, pensemos. O ponto de convergência para tais sinais sociais é um simbolismo antigo, senão arcaico. Falamos da pregnância da cor vermelha desde registros da era paleolítica. Entre diferentes materiais e superfícies e objetos como ossos, pedaços de marfim, pedras, há resíduos da tintura avermelhada. A respeito da estrutura das cores, Newton foi o primeiro a abordá-las, conforme explica Peter Schulz no Dossiê Cores Comciência, 2020, “sua nova teoria estabelecia uma propriedade física para diferenciar as cores: seus ângulos de refração”. Newton criou, assim, a expressão “espectro de cores: começa no VERMELHO, passa por laranja, amarelo, verde, azul, índigo e violeta". Ou seria a destinação do vermelho mais arcaica e epifânica?


A propósito da cor destacada, em coluna sobre sexo e comportamento do dia 12 de julho no jornal francês Le Monde, Maïa Mazaurette compilou verbetes relacionando sexo, cultura e cor vermelha. A jornalista provocou o público com o seguinte chamado: “Bem-vindos ao distrito da luz vermelha”. A referência enfática à cor reforça – nas palavras dela - uma memória potencialmente “carnal e transgressiva” do vermelho. Tomemos alguns exemplos: o vermelho está presente quando se caracteriza (encena) uma ação ritual; ou quando o vermelho traduz imaginários típicos como o período medieval e cristão; quando a cor atribui às narrativas literárias ou artísticas de diferentes épocas e lugares uma atmosfera.


Michel Pastoreau (2019) acentua a vastidão semiótica do vermelho em Vermelho - História de Uma Cor, na obra em três volumes sobre o vermelho, o preto e o verde. O autor formula um axioma para o fenômeno da cor nas sociedades.


“Léxicos, tecidos, vestuário; em matéria de cores, os poetas e os tintureiros têm pelo menos tanto para nos ensinar como os pintores, os químicos ou os físicos. A longa história da cor vermelha nas sociedades europeias é, a este respeito, exemplar (2019, p. 15)”, diz ele.


Mas, voltemos às pistas de Mazaurette. O rubi, o coral, a lagosta, os morangos e as framboesas, as rosas vermelhas, o coração, são aparições ou imagens-objeto do vermelho, que convergem para o mesmo sentido. Da simpatia à fusão sexual, a vermelhidão evoca amor e poder. Buquês de rosas vermelhas, lábios carnudos carmim, vestidos vermelhos e mantos episcopais púrpuras não deixam equívoco de seu sinal.

Assim nos parece o exuberante vestido vermelho da personagem Vivian (Julia Robert), em Pretty Woman; e também no ponto de virada da narrativa de amor no filme A bela e a fera. Quando Bela, após longo cárcere no castelo de rosas do príncipe amaldiçoado, retorna à casa do pai enfermo, é ungida pelo calor do vermelho sobre as vestes que desposa, nada em seu destino maior a ameaçará, atada que está ao príncipe-monstro. Nesse momento, ambos se reconhecem apaixonados.

No próximo mês você vai conhecer os desdobramentos da história dessa cor fascinante e a sua ligação com a saída do pós-pandemia.

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