Diretrizes para a cobertura jornalística
Por Carol Assunção, Jornalista, pesquisadora em conteúdo audiovisual, Doutora em Linguística do Texto e do Discurso
"Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, vem depois". (Albert Camus)
Tela: Sísifo (1548), de Ticiano
Começo com a famosa abertura do livro de Albert Camus, que sempre me traz alento e esperança quando preciso. Acabo de reler O mito de Sísifo, que é dos meus livros de cabeceira. Recorro a ele em momentos de crise, principalmente porque o autor explica o absurdo da vida de forma encantadora: diante da falta de sentido da existência, temos a possibilidade da revolta, da liberdade e da paixão - que, paradoxalmente, nos levam a sentir que existimos, a ter sentido em viver.
Lembrei-me de compartilhar a referência em função do Setembro Amarelo, embora o assunto mereça discussão e pauta constantemente. O suicídio é questão prioritária de saúde pública para a Organização Mundial de Saúde (OMS), numa era em que a depressão é considerada o mal do século XXI. No Brasil, segundo no mundo em transtornos de ansiedade, observou-se o aumento da taxa anual de mortalidade por suicídio nos últimos anos. Esse indicador nos coloca em oitavo lugar entre os países com maior incidência. Com a tensão e a angústia provocadas pela pandemia da COVID-19, acentuam-se os fatores de risco, como alerta a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
No entanto, o tema acaba silenciado pelos tabus e estigmas que o envolvem, quando na verdade é preciso falar sobre. Só assim algumas fronteiras serão diluídas para que as pessoas sintam-se convidadas a pedir ajuda e evitar mortes trágicas.
Mídia e cobertura jornalística
Em jornalismo, o suicídio é um forte tabu. No meu período de graduação e quando trabalhei em redações de telejornais, na primeira década dos anos 2000, a orientação era não noticiar suicídio para evitar que outras pessoas pudessem cometê-lo ao ver a notícia. Essa noção se relaciona ao chamado Efeito Werther, alusão aos suicídios subsequentes à publicação do romance Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe, no século XVIII.
Em Suicídio: informando para prevenir (2014), do Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), há um item dedicado aos mitos do comportamento suicida, entre os quais o da proibição da mídia de abordar o assunto. De acordo com a cartilha, pelo contrário: a mídia tem a responsabilidade social de informar sobre essa questão adequadamente.
A OMS lançou um manual de prevenção do suicídio para profissionais da mídia (2000) com indicação de fontes confiáveis, orientações sobre como noticiar suicídios em geral e em casos específicos, além de como prestar serviços. O texto contém o seguinte resumo:
O que fazer?
Trabalhar em conjunto com autoridades de saúde na apresentação dos fatos.
Referir-se ao suicídio como suicídio “consumado”, não como suicídio “bem sucedido”. Apresentar somente dados relevantes, em páginas internas de veículos impressos. Destacar as alternativas ao suicídio.
Fornecer informações sobre números de telefones e endereços de grupos de apoio e serviços onde se possa obter ajuda.
Mostrar indicadores de risco e sinais de alerta sobre comportamento suicida.
O que não fazer?
Não publicar fotografias do falecido ou cartas suicidas.
Não informar detalhes específicos do método utilizado.
Não fornecer explicações simplistas.
Não glorificar o suicídio ou fazer sensacionalismo sobre o caso.
Não usar estereótipos religiosos ou culturais.
Não atribuir culpas.
Vinte anos depois da publicação, com as mudanças trazidas pela internet, não há controle sobre como os veículos realizam a cobertura. Encontrei artigos acadêmicos que podem ajudar a refletir sobre a questão:
Suicídio por contágio e o papel das mídias de comunicação em massa (2019) - autoras: Esther Hwang e Maria Júlia Kovács (USP) - Revista M.;
Abordagem jornalística do tema suicídio na sociedade contemporânea (2019) - autoras: Tanyse Galon e Angélica Gonçalves (Universidade Federal do Triângulo Mineiro) - In Revista;
Entre o debate público e o silêncio: análise da cobertura jornalística online sobre a questão do suicídio de adolescentes e jovens negros no Brasil (2019) - autores: Ana Carolina Pontalti Monari e Claudio Bertolli Filho (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) - Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde;
Suicídio nas escolas - Uma análise da cobertura da morte voluntária de estudantes em São Paulo (2018) - autora: Mauren de Souza Xavier dos Santos (PUC-RS) - Portal Intercom;
Suicídio como pauta jornalística: condutas midiáticas e posturas perante a problemática (2017) - autores: Mariah Friedrich e Edgard Rebouças (Universidade Federal do Espírito Santo) - Portal Intercom;
Ética, prática jornalística e cobertura seletiva do suicídio (2014) - autores: Brainer Moreira e Fernando Paulino (Universidade de Brasília) - ALAIC;
Suicídio de idosos e mídia: o que dizem as notícias? (2014) - autoras: Beltrina Côrte, Hilma Tereza Tôrres Khoury e Luciana Helena Mussi (PUC-SP e Universidade Federal do Pará) - Revista Psicologia USP;
Jornalismo e Suicídio: ética e noticiabilidade (2010) - autores: Ana Carla Barbosa, Rômulo Ogazawara e Lauriano Atílio Benazzi (Universidade Norte do Paraná) - Portal Intercom.
O que importa é que a cobertura midiática responsável pode salvar vidas.
Gravei o capítulo final do livro de Camus, em que ele explica o mito grego e a relação de tal narrativa com a vontade de viver. Talvez esta mensagem também afague seu coração. Como defendeu o filósofo: "É preciso imaginar Sísifo feliz".
Acesse cartilhas e conteúdos da campanha 2020 do Centro de Valorização da Vida:
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