Memórias e invenções – work in progress
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Memórias e invenções – work in progress

Ou como Umberto Eco, debates e metalinguagem inspiram projetos literários


Por Jacques Fux, Escritor, Doutor em Literatura Comparada e Langue, Literature et Civilisation Françaises


Em 2012 participei das famosas Norton Lectures quase sem saber. Ah...! A inesperada virtude da ignorância! Como eu gosto desta frase. E como ela me acompanha. Estava delirando, e nem percebia o meu devaneio. A cátedra Charles Eliot Norton de poesia de Harvard foi fundada em 1925 com o objetivo de divulgar a beleza da “poesia no sentido mais amplo”. Personalidades do mundo das artes e das letras, incluindo pintura, arquitetura e música – como alguns dos meus mestres T.S. Eliot, Igor Stravinsky, Jorge Luis Borges, Octavio Paz, Leonard Bernstein, Czeslaw Milosz, John Cage, e Nadine Gordimer – recebem um honroso convite – nos últimos anos feito pelo caríssimo Homi Bhabha em conjunto com o Presidente de Harvard – para realizarem seis conferências sobre qualquer tema ao longo de um ano. O evento é concorridíssimo e estar presente é o mesmo que ser eternizado na história do saber.


E, por acaso ou maldição, os meus livros de cabeceira foram escritos nessas conferências: Esse ofício do verso, de Borges; O romancista ingênuo e o sentimental, do Pamuk, Seis passeios pelos bosques da ficção, do Eco; e Seis propostas para um novo milênio, do Calvino. Mesmo sem saber, estive presente no Sanders Theatre de outras bifurcações temporais, roubando notas, gestando ideias e usurpando histórias. Pronto para galhofar com o passado, autocriticar os bosques das autoficções, achincalhar com o romancista ingênuo e sentimental que habita em nossos protagonistas, e falsear a multiplicidade das reminiscências de autores e personagens. Escreviver sugando narrativas de espelhos e inflexões.


Lembrei-me que ali mesmo, na sua última palestra, Eco nos contou de uma visita ao Planetário de La Coruña e da surpresa que o diretor o fez. Com as luzes apagadas e as ficções aceleradas, projetaram em seu tributo o céu no momento exato do nascimento do autor italiano – a noite de 5 e 6 de janeiro de 1932. Essa possibilidade de um retorno-recriação por um bosque inesperado da ficção, comoveu tanto o bibliófilo-escritor que o fez terminar as conferências dessa forma:


“Eu estava tão feliz que tive a sensação – quase o desejo – de que podia, deveria morrer naquele exato momento e que qualquer outro momento teria sido inadequado. Teria morrido alegremente, pois vivera a mais bela história que li em toda a minha vida. Talvez eu tivesse encontrado a história que todos nós procuramos nas páginas dos livros e nas telas dos cinemas: uma história na qual as estrelas e eu éramos os protagonistas Era ficção, porque a história fora reinventada pelo curador; era História porque recontava o que acontecera no cosmos num momento do passado; era vida real porque eu era real e não uma personagem de romance. Por um instante, fui o leitor-modelo do Livro dos Livros. Aquele foi um bosque da ficção que eu gostaria de nunca ter deixado. Mas, como a vida é cruel, para vocês e para mim, aqui estou”. (Umberto Eco)

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