O que as eleições brasileiras têm a ver?
Por Carol Assunção, jornalista, professora, pesquisadora
Este período eleitoral de 2022 me faz pensar com muita frequência em Americanah, romance de Chimamanda Ngozzi Adichie, publicado pela Companhia das Letras (2014). A premiada autora nigeriana é conhecida pela excelência literária e também por uma palestra no TEDTalks sobre "O perigo da história única", que viralizou.
Se você já morou fora do lugar de origem, que seja cidade, estado, região ou país, ou mesmo fez contato com pessoas nativas de locais que visitou em viagens, vai se identificar em alguma medida com a protagonista Ifemelu, nigeriana que vai viver nos Estados Unidos. As inconveniências ou estranhamentos a partir do estereótipo derivam por diversos caminhos - a aparência, o sotaque, o jeito de ser, as preferências.
Para dar exemplos bobinhos: eu sou mineira, mas não gosto de goiabada nem ver. Quando compartilho isso, a frase mais comum que escuto de volta é "Como assim? Então você é mineira fake!" Quando morei na França, sempre se surpreendiam com minha nacionalidade: "Mas você não tem cara de brasileira!", parecia mais provável que eu fosse marroquina, iraniana, libanesa, portuguesa, grega, espanhola, italiana do sul, mas não, logo brasileira... Nenhum incômodo pra mim aí, mas se a gente começa a escalonar os cases, as armadilhas aparecem. Melhor mesmo é você assistir ao vídeo da Chimamanda sobre isso. Não me canso de ver e tentar re-situar o meu mindset (para usar uma palavrinha fashion). Precisamos evoluir e dizimar nossos preconceitos.
Yes, we can - você sabe o que é astroturfing?
Para nós, da comunicação, há pelo menos dois elementos marcantes no romance de Chimamanda a se colocar em perspectiva quanto às eleições deste ano no Brasil:
Ifemelu é uma blogueira raiz, ou seja, escreve no WordPress sobre o próprio dia a dia, num blogue que primeiramente ela nomeia Raceteenth, ou Observações Curiosas de uma Negra Não Americana sobre a Questão da Negritude nos Estados Unidos. Ela fala sem amarras sobre o próprio cotidiano, padrões de beleza, relacionamentos afetivos, trabalho. Os textos dos posts, ao final de alguns capítulos, são pontos altos do romance, com títulos instigantes: - Por que as mulheres de pele escura - tanto americanas quanto não americanas - amam Barack Obama; - Ofertas de emprego nos Estados Unidos - a principal maneira nacional de decidir "quem é racista"; - Obama só vai ganhar se continuar sendo o negro mágico; - Um agradecimento público a Michelle Obama e o cabelo como metáfora da raça. Assim, constrói análises profundas, provocadoras e polêmicas sobre racismo, sexismo, choque cultural etc., que dialogam fortemente com o atual cenário brasileiro, quase dez anos depois da publicação do livro.
Como você viu acima, parte da história se passa em plena campanha presidencial de Barack Obama, em 2008. Esse momento foi um divisor de águas quanto ao uso dos recursos de comunicação da sociedade em rede para o marketing político, como observam Wilson Gomes, Breno Fernandes, Lucas Reis e Tarcizio Silva no artigo "Politics 2.0": a campanha on-line de Barack Obama em 2008: "Em geral, as campanhas contemporâneas (inclusive as campanhas políticas) vêm adotando três rotas de produção de informação, imagem e persuasão: primeiro, as redes de comunicação de massa, principalmente a TV, como rota principal; depois, as redes sociais (que também são redes de comunicação, interpessoal), como rota secundária e complementar; por último, as redes sociais digitais, as redes de comunicação e relacionamento baseadas no universo digital, grande parte on-line, empregadas em geral como rotas acessórias. A campanha de Obama estabelece um novo padrão quando dedica considerável quantidade de energia, perícia e recursos à terceira rede, ao par com sua crescente importância social. Com isso, consegue gerar uma sofisticada alternativa de comunicação e relacionamento às outras duas rotas tradicionais, alcançar e comprometer um considerável universo de eleitores engajados na cultura da conexão digital e, por fim, transformar duas dúzias de ferramentas e recursos das redes digitais e os seus muitos milhares de usuários em participantes da sua campanha."
A citação é de 2009, quando o artigo foi publicado na Revista de Sociologia Política da Universidade Federal do Paraná, pouco depois da vitória de Obama. Além da análise detalhada das estratégias on-line do então presidente eleito dos EUA, destaco a reflexão histórica sobre a evolução das campanhas entre proto-web, web e pós-web. Vale a pena estudar esse texto.
Mais de 10 anos depois, o potencial desse caminho estratégico tem novidades em dispositivos e novas configurações, ferramentas de monitoramento, mais redes sociais, bots, trolls e agentes de desinformação. Podemos verificar esses aspectos no texto Máquinas de opinião: propaganda computacional, contágio e desinformação nas redes sociais, de Rose Marie Santini (2022). As reflexões da autora incluem uma explicação sobre o conceito de astroturfing:
"Atualmente, há evidências substanciais de que as plataformas das redes sociais estão tomadas por robôs (bots), exército de trolls, perfis falsos, entre outros personagens maliciosos que recebem dinheiro para se manifestar de forma coordenada. Essa prática, em inglês, é chamada de astroturfing. O nome se refere a uma marca de grama artificial que, de tão bem-feita, parece que é verdadeira. A prática do astroturfing - enquanto ação falsa e patrocinada por grupos ou corporações para apoiar discursos a seu favor ou para criticar adversários - não é algo novo, e foi amplamente usada pela indústria de cigarro nos anos 1990 (Cho, Martens, Kim & Rodrigues, 2011; McNutt, 2010; McNutt & Boland, 2007)."
Sobre isso, leia um artigo em inglês sobre o astroturfing em grupos de WhatsApp de apoiadores do presidente, do professor Viktor Chagas, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ele também publicou o relatório TikTok e polarização política, junto com Luisa de Mello Stefano, do DDoS Lab da Universidade Federal Fluminense (UFF). O texto traz um mapeamento de perfis de políticos brasileiros na rede social que, ao contrário do que muitos pensam, não é só entretenimento. No dia 18 de outubro, o professor Wilson Gomes (um dos autores do artigo sobre a campanha de Obama mencionado acima) deu uma entrevista muito esclarecedora ao podcast Café da Manhã, da Folha de S. Paulo, sobre a desinformação como tática eleitoral na campanha presidencial de 2022.
Leia também este texto de Maria Carolina Lopes, do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD): Do Orkut ao TikTok: 20 anos de Eleições na Internet.
E se você ainda não viu, recomendo o documentário Privacidade Hackeada (The great hack, 2019), de Jehane Noujaim e Karim Amer:
A ver o que mais os estudos científicos trarão sobre a atual campanha eleitoral de nosso país, com toda sua efervescência. O que você pensa de tudo isso? Quero saber, deixe nos comentários, sim? Te encontro no próximo mergulho!
Comentarios