Documentário, transe, verdade(s) e streaming
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Documentário, transe, verdade(s) e streaming

Para driblar o confinamento, festival de cinema vai ao público pela internet


Por Dani Gonçalves*, Documentarista, Jornalista, Mestre em Cinéma anthropologique et documentaire


Desde que mudei pra São Paulo, há 3 anos, abril se tornou o mês do documentário. A cidade sedia, junto com o Rio de Janeiro, o festival internacional de cinema documentário “É Tudo Verdade”, realizado anualmente, com algumas mostras itinerantes também em outras cidades brasileiras. Criado pelo crítico de cinema Amir Labaki em 1996, a edição de 2020 ganhou a primeira versão on-line, em razão da redução da mobilidade urbana e do isolamento social. A programação original foi reformulada, e parte dela continua disponível até junho de 2020, em diferentes mostras que incluem uma homenagem a José Mojica Marins, o Zé do Caixão, e vídeos que destacam a mulher como realizadora audiovisual.


Em casa, alterno as vistas entre telas e janelas, confundo o visto com o imaginado em um exercício diário de formulação de verdades. Ficção ou documentário? Qual é o lugar da verdade no documentário? Com um discurso de imagens e sons, os filmes transmitem ideias, emoções e afetos, e por que não, verdades? Isso mesmo, no plural, sem compromisso com a suposta “vida como ela é”. A verdade fílmica, ou kino-pravda (cinema-verdade) de Vertov, já nos falava de um olho mecânico aperfeiçoado, mais fiel à realidade que o olho humano. Porém, é importante lembrar que Vertov foi um homem de montagem, cujas práticas iam ao encontro do projeto de cinema conceitual de Eisenstein. Logo, a manipulação e organização de fragmentos da dita realidade estavam no cerne de sua visão sobre o cinema.


Não podemos esquecer da verdade fílmica de Jean Rouch, que subverteu a questão da reprodução fiel da realidade nos documentários. Rouch defendia o cine-transe, por filmantes e filmados cujas falas e feitos colaboram em uma espécie de dança que resulta em filme. A verdade consequente a um encontro, fabricada pelo cinema e para o cinema.


“Eu acredito que os melhores documentários, aqueles que têm algum tipo de contribuição a dar para o conhecimento e a experiência do mundo, já não são mais documentários no sentido clássico do termo; eles são, na verdade, filmes-ensaios”. (Arlindo Machado, professor e pesquisador)

Gosto desta fala de Arlindo Machado, a respeito de encarar o audiovisual como um discurso sensível, ao mesmo tempo numa zona de verdade e de autonomia formal.


A potência do documentário está justamente em re-criar a verdade, ou criar a própria verdade. Não no sentido filosófico, mas enquanto proposta, intenção, premissa, ou, como disse Wladimir Carvalho, “se me comiliza, eu filmo”. Isto é, o que me comove me mobiliza, me faz agir e é a minha verdade. E o streaming tem se revelado uma solução interessante para o compartilhamento dessas verdades.






Outras plataformas e festivais com programação online para ver docs for free:

Film-documentaire (em francês)

Mubi (7 primeiros dias gratuitos)







*Professora do curso Observar e descrever com audiovisual: o documentário no contexto da produção de conteúdo



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