Seminário do Grupo RETORAR da UFMG
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Recepção dos clássicos, arqueologia dos sonhos

16 de fevereiro foi dia de clássicos na segunda mesa-redonda do IV Seminário Docere, delectare et movere: sonhos, ficções e (ir)racionalidades.

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Édipo e Antígona, entre a vigília e o sonho - A doutoranda em artes cênicas Raíssa Palma (UnB) abriu com uma análise de três peças de três fundamentais autores trágicos da Grécia Antiga: Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. Ela comparou as divergências entre elementos das narrativas que envolvem Édipo e Antígona. Em seguida, a comparação foi aplicada a obras de dois autores modernos que se baseiam em Sófocles: Jean Cocteau e Jean Anouilh. Uma mesma cena em Sófocles e nos dois autores foi apresentada para melhor exemplificar a comparação do antigo com a inspiração contemporânea. Na opinião da pesquisadora, todas as formas de reescrever e recriar são formas de tradução. 

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Em seguida, a professora e escritora Guiomar de Grammont (Filosofia/UFOP) pontuou como Antígona se tornou um símbolo de escolha e um modelo revolucionário contra poderes tirânicos na contemporaneidade. As principais obras apresentadas foram Antígona Furiosa, da escritora argentina Griselda Gambaro, e Palavras Cruzadas, da própria professora Guiomar, publicado em 2015. Em ambos, as Antígonas latino-americanas lutam pelo direito à memória e a enterrar seus irmãos mortos, nem que seja metaforicamente, ao descobrir o que realmente aconteceu. As duas publicações estão ambientadas durante ou após governos autoritários - no caso de Palavras Cruzadas, a Antígona nomeada Sofia enfrenta as consequências da anistia dada aos criminosos da ditadura brasileira. Assim, tornou-se impossível acabar com o sofrimento da protagonista e de sua mãe, por causa do desaparecimento do irmão, vivo nas memórias da família. 

antigona furiosa
palavras cruzadas guiomar de grammont

Mirar (e ver) os símiles da Ilíada no sertão - A professora Lorena Lopes (História/UFRJ) explicitou como Guimarães Rosa inspirou-se nos símiles da “Ilíada” ao escrever “Grande Sertão - Veredas”. As construções comparativas rosianas são abundantes, e muitas envolvem animais: homens que relincham e cavalos que choram; o movimento de um menino ao furar a perna de um homem que se assemelha ao bote de uma cobra Urutú. Não só os símiles de Rosa muito se aproximam dos homéricos, como os registros das próprias anotações do autor enquanto lia a Ilíada demonstram sua apreciação. Por fim, a professora mostrou trechos do Canto III da Ilíada em que os símiles são abundantes. Nesses textos, embora os animais sejam frequentemente usados nas construções dessas figuras de linguagem, eles dificilmente aparecem nos enredos.

Manifestações culturais dos sonhos

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Ainda na sexta-feira, 17 de fevereiro, a terceira mesa-redonda do seminário foi composta pelas professoras e pesquisadoras Lilian Panachuk (Arqueologia/UFMG) e Carla Damião (Filosofia/UFG), com ênfase nos aspectos arqueológicos e antropológicos dos sonhos nas culturas ameríndias e no cinema.

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Sonhos lúcidos: narrativas e vivências de ofício, a olaria - A professora Lilian destacou a importância do sonho nas culturas indígenas e as respectivas relações dos povos originários com o sonhar, bem como o preparo desses povos para o sonho por meio de rituais e ervas como o rapé. Ela também abordou a dimensão cosmogônica dos sonhos, ressaltando elementos comunicativos e relacionais - não por acaso o sonho está presente em mitos, rituais e narrativas. A antropóloga destacou ainda a rica experiência vivida no aprendizado da produção de cerâmica com comunidades e lideranças indígenas em Minas Gerais.

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Até o fim do mundo: a máquina dos sonhos - A professora Carla analisou a estética do filme Até o fim do mundo (Bis ans Ende der Welt, 1992) do cineasta e dramaturgo alemão Wim Wenders. O protagonista Sam é um misterioso personagem que possui uma tecnologia capaz de furtar imagens mentais. Ele pretende ajudar a mãe, que vive em uma comunidade de aborígenes na Austrália, a recuperar a visão a partir dessa tecnologia enigmática. A palestrante observou a crítica do diretor às novas tecnologias, especialmente as visuais ou imagéticas. Para a filósofa, essa abordagem soa como um prenúncio da contemporaneidade do mundo digital. O filme demonstra a dicotomia entre a finalidade que o homem branco (ocidental) confere à máquina de sonhos e o uso que os povos originários fazem dessa tecnologia. Estes preferem tentar descobrir algum vestígio de suas origens, demonstrando uma ampla divergência cultural e cosmogônica. 

*Por Clinton Santos (Graduando em Filosofia/UFMG) e Sofia Morais (Mestranda em Letras/UFMG)
Fotos: Romana Guimarães (Mestranda em Filosofia/UFMG) e Clinton Santos 

Links complementares:

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Confira o que aconteceu nos outros dias do IV Seminário Docere, delectare et movere: sonhos, ficções e (ir)racionalidades:

15/02 Memórias, presságios e poderes

17/02 Sonhos de grandeza, erotismo e tabus

18/02 Sonhadores de imagens e ficções

19/02 (Ir)racionalidades e fantasias em diferentes "paisagens"

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Resenhas dos filmes exibidos
Malpertuis (Harry Kümel, 1971, 110 min.)

O Manuscrito de Saragoça (Rekopis znaleziony w Saragossie, Wojciech Has, 1965, 3h02min.)
A Hora do Lobo (Vargtimmen, Ingmar Bergman, 1968, 1h29min.)

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